terça-feira, 31 de maio de 2011

Quadrinhos


A inquietante arte de Robert Crumb


Polêmica e instigante, a obra de Robert Crumb se equilibra perigosamente nos limites da genialidade e do grotesco. Genial, porque transita do erotismo a pornografia pura e simples, ao retratar suas próprias fixações e a sua tumultuada relação com as mulheres. Tanto as que partilharam de sua vida pessoal, quanto as ativistas do  Women’s lib. Em particular, as representantes do lesbianismo militante na América dos anos sessenta, entre as quais se encontrava sua própria irmã,  que não o perdoava pela forma chauvinista como retratava as mulheres, geralmente opulentas e de traseiros enormes. Provocador, Crumb admitia que transcrevia para os seus cartuns os fetiches e apreensões que elas lhe provocavam. Em certa ocasião, ousou dizer que as mulheres lhe fizeram passar mais vexames do que ele as oprimiu. Sua obra, que tinha um caráter autobiográfico, evidenciava suas próprias dificuldades com o sexo oposto, desde a adolescência solitária até a vida adulta. Assim, vingava-se das mulheres através dos cartuns. Em razão disso, jamais se deu ao trabalho de explicar que o seu traço apenas evidenciava – pelo exagero caricato –  a realidade da condição feminina numa sociedade conservadora e hipócrita.
Um dos mais expoentes desenhistas do movimento underground americano dos anos 60 e 70, Crumb viveu intensamente a efervescência cultural e política daquela época. Participou ativamente dos movimentos contestatórios à guerra do Vietnã e das “viagens” psicodélicas embaladas pelo LSD, ao lado de figuras lendárias como Jimi Hendrix, Janis Joplin, e Charles Bukowski. Janis e Bukowski, inclusive, partilharam de sua vida pessoal e, de certa forma, contribuíram para a maneira como expressava em sua obra a visão que tinha da sociedade, no auge de sua produção como cartunista.
O primeiro personagem notável de sua carreira de cartunista foi criado tendo como referência o seu próprio gato, desenhado para divertir sua irmã caçula. Contudo, em que pese às características antropomórficas assumidamente inspiradas nos desenhos politicamente corretos de Walt Disney, Fritz The Cat evoluiu rapidamente, assim como os personagens que o precederam, para uma crítica ácida e feroz do sistema e da cultura americana, algo que se tornou uma característica dominante em toda a sua obra.
Da sua fase de “viagens” psicodélicas surgiram: Mister Natural, feito à imagem do velho homem sábio de barba branca. Ele tinha uma certa inclinação velhaca e irônica no seu modo peculiar de representar as questões existenciais; Mr. Snoid, um baixinho mordaz e de traços grotescos; Angelfood Mc.Spade, uma negra com traços grotescos que lembram um canibal africano, claramente ridicularizada nos traços de Crumb. Por esse personagem, o artista foi acusado de racista, quando na verdade apenas expunha a forma como o homem branco anglo-saxônico se relacionava com povos de outras culturas.
Sempre coerente consigo mesmo, o cartunista nunca se sujeitou aos esquemas comerciais da indústria cultural americana. Preferia manter-se dentro do movimento underground e preservar sua liberdade de pensamento e criação. Em certa ocasião, recusou-se a desenhar a capa do álbum dos Roling Stones simplesmente porque detestava a música do grupo. Isso o marcou, embora não fosse sua intenção, como um ícone do espírito igualitário do movimento hippie e da contracultura americana. Na verdade, ele detestava os hippies também, segundo algumas publicações. Sempre desafiador, costumava dizer que a única paixão verdadeira que possuía era pelo sexo, no qual reconhecia como sendo a fonte de sua obra, e também de seu tormento. Quando adolescente, sentia-se desajustado e rejeitado pelas pessoas, principalmente pelas mulheres, as quais estranhavam seu tipo esquisito e lhe impunham uma solidão  atroz, que o acompanhou durante grande parte de sua vida.
Natural da Filadélfia, Robert Crumb nasceu no dia 30 de agosto de 1943. Era o terceiro de cinco irmãos e recebeu grande influência de Charles, o irmão mais velho, que costumava tiraniza-lo, obrigando-o a desenhar cartuns incansavelmente. Nessa época, inspirava-se em Luluzinha e, mais tarde, Pogo, de Walt Kelly. No final dos anos 50 ele descobriu a revista “Mad” e o trabalho de Harvey Kurtzman. "Eu vivia, respirava e comia as páginas de suas revistas", relatou Crumb certa vez, numa entrevista.
No início dos anos 60, Crumb conseguiu seu primeiro emprego como ilustrador da American Greetings, em Cleveland, onde recebeu influência de Tom Wilson, seu editor chefe e responsável por uma evolução significativa nos seus traços. Já no final daquela década, apresentava uma produção notável, evidenciada em trabalhos volumosos em títulos como "Weirdo", "Big Ass Comics" e "People's Comics", no qual "matou" o gato Fritz.
Nessa fase, que se prolongou até o início dos anos 70, a obra de Robert Crumb foi produzida com ajuda de visões provocadas pelo Ácido Lisérgico, as quais eram arrancadas dolorosamente do seu subconsciente e o forçavam a confrontar-se com seus fantasmas, que não eram poucos. Atualmente, Robert Crumb vive na França, com a mulher e a filha.

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